Não aposte sua vida: Faça o aterramento do sistema de AC corretamente.
Mesmo falando deste assunto por mais de 15 anos em palestras, ainda me espanta como muitos profissionais competentes desconhecem a importância de se aterrar os equipamentos. Ainda mais chocante (o trocadilho foi intencional), muitos, rotineira e casualmente desligam o aterramento para resolver problemas de ruídos!De um modo geral, a finalidade do aterramento é interligar partes condutoras de eletricidade, tais como o chassi dos equipamentos e estruturas metálicas a fim de eliminar as diferenças de voltagens entre elas.
A ABNT1 (Associação Brasileira de Normas Técnicas), a partir de 2004, exige que a distribuição da energia elétrica nas casas ou em qualquer outra edificação (mesmo que provisória) seja feita com três fios.

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A figura 1 mostra como a energia elétrica é entregue na tomada da sua casa pela concessionária. Para simplificar, mostro apenas a ligação de dois dos quatro fios do transformador público.
Um desses fios, que normalmente não é isolado, é o terra, ou neste ponto, o “neutro”. Note que tanto o neutro (fio azul2) como a fase (fio preto), formam o circuito elétrico por onde a corrente elétrica circula, como mostram as setas. A ABNT, exige que o neutro e o terra (fio verde ou verde e amarelo), em cada circuito primário de derivação, sejam amarrados ou “ligados” entre si juntamente a uma haste de aterramento3.
Qualquer equipamento ligado à rede elétrica, que possua partes condutoras expostas (isto inclui os conectores de áudio), pode apresentar riscos de choques ou mesmo de eletrocussão caso alguns defeitos ocorram. A isolação é usada em transformadores, chaves, motores, cabos e outras peças internas para manter a eletricidade em seu lugar.

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No entanto, por várias razões, este isolamento pode falhar e conectar uma fase diretamente nas partes metálicas expostas do equipamento como mostrado na figura 2. Este defeito tem o nome de FALTA4, e produz uma corrente de falta. Por exemplo, se o motor de uma máquina de lavar roupas superaquece e derrete a isolação (capa) dos fios, a fase pode encostar no gabinete e energizá-lo! Qualquer um que acidentalmente encostar nessa máquina e em outra superfície condutora aterrada como uma torneira metálica, será eletrocutado.
Lembre-se: A corrente elétrica irá sempre retornar para sua fonte, seja o caminho intencional ou acidental. Os elétrons não se importam, ele não olham esquemas elétricos.
Deligando o disjuntor:
Para retornar a corrente de falta muitos equipamentos possuem um fio ligando suas partes expostas de metal no pino terra do conector ou cabo de AC.
O fio terra da tomada é ligado, ou por um cabo verde ou por um barramento, no neutro do padrão da edificação, onde está localizado o disjuntor principal.
Esta conexão de baixa impedância com o neutro permite que uma alta corrente de falta circule, desarmando o disjuntor principal rapidamente, eliminando assim, a fase do circuito elétrico. Para isto funcionar corretamente, o terra, tem que retornar para o neutro. (Note que a conexão com a massa (solo) não tem nada a ver com esta proteção!)
Nunca, jamais utilize adaptadores de dois para três pinos, ou quebre o terceiro pino dos plugues para resolver um problema de ruído em equipamentos de áudio e vídeo5. Caso um aterramento adequado não estiver disponível, utilize disjuntores diferenciais6. Eles funcionam medindo a diferença da corrente que circula pelos condutores fase e neutro.
Esta diferença é uma parcela da corrente da fase que não está retornando para o neutro – pressupomos que esta corrente de falta é a que está circulando pelo corpo de uma pessoa. Se esta diferença alcançar 5mA7, o disjuntor diferencial é desarmado, eliminado a fase do circuito5.
Imagine dois equipamentos ligados na rede elétrica e conectados entre si por um cabo de sinal. Um desses equipamentos está aterrado e o outro teve seu terceiro pino desligado.
Se ocorrer uma falha de isolação no equipamento que não está aterrado, a corrente de falta utilizará o cabo de sinal para retornar para sua fonte. É muito provável que este cabo pegará fogo e derreterá8. Eliminar ou não utilizar o aterramento não só é ilegal e perigoso como o torna legalmente responsável por qualquer problema de ordem elétrica.
Nos Estados Unidos, num ano típico, problemas em equipamentos de áudio e vídeo fazem nove vítimas fatais, 1.900 residências são incendiadas, causando 20 mortes, 110 pessoas sofrem danos sérios e mais de 30 milhões de dólares de prejuízos são computados.
A amplitude da corrente determina a gravidade do choque. Até 1mA, sentimos apenas um formigamento desagradável. Mas acima dos 10mA, contrações musculares involuntárias ou até um sufocamento fatal podem acontecer se esta corrente circular de uma extremidade a outra de seu corpo.
Um choque elétrico de corrente entre 50mA e 100mA normalmente causa uma fibrilação ventricular que o levará a morte.
A resistência elétrica da pele seca do corpo humano é suficientemente alta para permitir um ligeiro toque num cabo de 127V, mas a umidade normal de nossa pele reduz essa resistência, permitindo que uma corrente elétrica maior circule por nosso corpo.
OH, Raios …
A Terra (nosso planeta) em si é o caminho de retorno da corrente de um relâmpago. Para proteger as pessoas e equipamentos dos raios, temos que fazer uma conexão com o solo. Linhas de transmissão de alta voltagem são alvos frequentes de relâmpagos. Por isso, todas elas possuem conexões com o solo, periodicamente ao longo do seu trajeto. Quando isto não era feito, as linhas de transmissão guiavam o relâmpago para dentro das casas, iniciando um incêndio e matando pessoas.
A ABNT exige que o padrão elétrico de entrada seja aterrado para dirigir os raios para o solo antes que eles entrem na edificação. Pela mesma razão, as operadoras de TV a cabo e telefonia devem fazer o mesmo.
O solo possui resistência elétrica como qualquer outro condutor, portanto, as conexões com ele não possuem zero Volts em relação a outro aterramento ou qualquer ponto místico ou de referência “absoluta”. A ABNT permite que a conexão com o solo (ponto de aterramento) possua alguns Ohms9

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Deve-se ter em mente que este valor de resistência é muito alto para garantir o disparo de um disjuntor de proteção numa situação de curto circuito, por isso, um aterramento nunca pode ser confundido com um aterramento de proteção. O aterramento de proteção só é conseguido quando ligamos o ponto de aterramento ao condutor neutro no padrão de entrada10. Se mais uma fonte de energia ou hastes de aterramento forem utilizadas, elas devem ser interligadas como mostra a figura 311.
Fatos da vida
A maioria dos sistemas de som possuem pelo menos dois aparelhos interligados e alimentados pela rede elétrica. Quando acontecem, a causa de ruídos ou outros problemas é atribuída a um “aterramento inadequado”, mas na maioria dos casos, não há relação alguma com isto. Qualquer instalação elétrica adequada, totalmente compatível com as normas da ABNT, possuirá pequenas diferenças de voltagens entre os terras das diversas tomadas de saída, isto é normal e seguro. Em geral, diferenças de tensão (alguns miliVolts) entre os terras das tomadas que estão fisicamente próximas e elas serão maiors (alguns Volts) entre as tomadas que estão distantes entre si ou em circuitos elétricos diferentes
Estas pequenas voltagens somente causam problemas quando um equipamento despreparado ou problemático12 é inserido no sistema – mais infelicidade do que um problema de fato. Mas o que tudo isso tem a ver com os ruídos (hum e buzz)? As pessoas têm uma forte tendência em culpar o AC pela “sujeira” dos ruídos de áudio e vídeo.
Na verdade, a distribuição da energia elétrica é muito parecida com uma rodovia – onde trafegam caminhões pesados, assim como carros esportivos.
Eliminar os ruídos “purificando” o AC é o mesmo que repavimentar esta rodovia a fim de corrigir um carro com o projeto da suspensão ruim. Uma abordagem muito mais coerente para eliminar os ruídos é garantir que a alimentação dos equipamentos possua um caminho mais curto que os sinais de áudio, vídeo e controle. Isto é a mesma coisa que substituir os amortecedores ruins de um carro para absorver as irregularidades de uma estrada esburacada.
Enfim, construir uma instalação elétrica segura deve ser sua prioridade!
Bill Whitlock é o presidente da Jensen Transformers, uma das empresas mais renomadas fabricantes de transformadores de áudio do mundo e um dos mais reconhecidos escritores de documentos técnicos de áudio da atualidade.
Traduzido por Henrique Elisei é engenheiro elétrico, especialista em hardware, fundador e presidente da Pentacústica além de ser fã de longa data do escritor deste texto.
Notas
1 Nos EUA, NEC (National Electric Code).
2 Nos EUA o condutor neutro possui cor branca.
3 Este aterramento possui o nome de TN-S.
4 Aqui no Brasil também chamamos isto de curto circuito. Esta é uma das causas da tal “fuga de AC” que tanto ouvimos falar.
5 Parte do texto original foi suprimido intencionalmente por não julgarmos relevante ao desenvolvimento do raciocínio.
6 No Brasil, é obrigatória a utilização de disjuntores diferenciais nos circuitos elétricos dos banheiros, cozinha e áreas externas da edificação, no entanto, a NBR-5410 não deixa claro se eles devem ser usados em instalações elétricas provisórias.
7 Existem disjuntores diferenciais que desarmam com várias correntes, elas geralmente vão de 5mA a 25mA.
8 Quantos processadores, mesas de som e luz, etc, já não estragaram por conta disto!
9 Não existe um valor específico na NBR-5410, mas sim um cálculo levando em conta a corrente de falta e a voltagem entre a fase e o neutro. Tipicamente um bom ponto de aterramento deve possuir resistências entre 10 Ohms e 25 Ohms.
10 Isto inclui os geradores, transformadores públicos, main powers de som e luz.
11 A figura do documento original contém um erro. A segunda haste de aterramento não está conectada à primeira.
12 Os cabos de áudio e DMX fazem parte desta lista.
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